domingo, 15 de março de 2009

Lilith without Samael


Ei, Você está pronto?

Eu sou a antítese de uma época,

O desprezo dos elementos crítico-formais,

Fulguro na própria dimensão da incompletude,

No recesso inacabado do tempo,

Vôo cego na aurora da manhã

Ei, você está pronto?

Eu sou o puro instinto dos máres ainda não navegados

O retorno cíclico das tempestades de verão,

A chama ardente do corisco, apenas metal...

Na crueldade da instabilidade do acaso que é destino,

De costas para a imagem do mundo.

sábado, 14 de março de 2009

Poesia Draconiana




Sonhei com você esta noite. Acho que você poderia ser meu fator determinante...
Mas quando acordo gosto de ver as pessoas dormirem, até chego a fantasiar com isto.
Eu poderia passar um milhão de anos vendo-as dormir, sentir a profundidade alheia,
Mas eu preciso sempre justificar meus desejos não é? Por isso subtraio-os, é mais fácil.
É uma industria fria esta de subtração, cálculo e numerização. Tudo está quantificado
No solo deserto das florestas devastadas. Nos círculos harmoniosos petrificados.
Talvez uma cerimônia de purificação resista as fissuras do tempo e restaure as estações.
Sinto falta do outono, nunca pude ao certo toca-lo, mas gostava do que dele emanava.
O outono é poético, artístico, toca o solo viscoso, compreende o nada, sem ressentimentos...
Você parece não entender o que digo, mas é natural de sua época, a falta de entendimento,
Talvez por esta razão não me preocupo e percorro as sephiroth sem autorização.
No meu mundo devastado o círculo se fechou só resta sombra e deflagração infernal.

L.N. pseudônimo de invocação das auroras negras. Um outro eu indissociado.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Ynis Witrin


Ynis Witrin

Nos arredores da Cornualha, o povo antigo acreditava na existência de uma pequena ilha chamada Ynis Witrin: A Ilha de Vidro. A este lugar creditavam lendas misteriosas sobre um povo encantado, dotado de sabedoria e poderes mágicos. Diziam que este povo era capaz de ver o futuro e mudar o seu próprio passado. Por serem dotados de capacidade tão peculiar e perigosa mantinham-se resguardados para o seu próprio bem do resto da humanidade. A ilha mantinha-se resolutamente coberta por uma espessa camada de vidro que encobria seus mistérios, bem como os seus moradores. Do outro lado da ilha nada se via, os seus moradores, no entanto, de dentro de sua bolha olhavam atônitos para o outro lado da ilha e guardavam para sí suas opiniões sobre os seres humanos que ali viam circular. Acompanhavam com bastante apreço as emoções que eles emanavam, pensavam como poderiam suportar sentir o peso de tantas dores, a vida daqueles parecia um fardo terrível, sentir medo, amor, dor, tudo ao mesmo tempo, enquanto eles a muito deixaram de sentir tal peso das emoções. Foi o preço pago pela capacidade de poder alterar o tempo, mesmo sabendo que isto seria algo a se fazer em casos extremos e que na ilha comumente o que imperava era o silêncio da falta de emoções para que os seus julgamentos não entrassem em conflito com os ideais da ilha. Imaginando o caos que seria cada dor amputada ser revertida através da partícula espaço-tempo por uma emoção inflamada. Assim era a vida deste povo, nunca morrer e nunca viver em emoção pura, sempre no silêncio velado do vidro que os circundava. O fato é que quem ao certo tinha decidido por este resultado, se havia sido uma única pessoa, várias ou a comunidade, não se sabia mais. Havia muito sido esquecido inclusive este detalhe. Os seres continuavam a viver em uma aparente harmonia de monotonia e desapego. Poderiam as folhas cair no outono, o gelo cobrirem-na no inverno, o sol secar as raízes do solo ou formar flores perfumadas na primavera que nada parecia tocar o coração daqueles seres. Apenas o severo silêncio do vidro reinava naquelas paragens.

Vaughan parecia jovem mais não sabia ao certo a quanto tempo estava lá, quando as alterações naquela ilha aconteceram estava naquele exato momento da juventude onde as emoções são mais exaltadas, e desde então manteve-se com aquele semblante, vendo as estações acontecerem a sua volta e performaticamente alterar as suas emoções que não condiziam com o peso dos acontecimentos. Elohim seu pai, sempre o alertava para as conseqüências danosas da força do pensamento exaltado, contava-lhe a sua participação nas guerras, sobre os povos que conheceu e que tentaram aportar na ilha, as marcas e impressões deixadas. Com seus machados e imperativos de guerra, contava sobre os povos do norte que pintavam o corpo nas batalhas e como se ocultavam em meio às florestas. Sobre os Tuatha de Danam e suas feiticeiras malignas a aterrorizar os guerreiros com chuvas de sangue e cânticos fúnebres que eram réquiens anunciando a morte dos povos vencidos em batalha. Não era em tom de bravura que Elohim citava seus versos, era a voz de um guerreiro a minguar nas sombras perenes do tempo, um tom sóbrio, melancólico e tenaz, das desventuras de um homem que aprendeu a carregar o fardo do tempo. Não havia rancores nem dores, só o que o tempo é mesmo, o passar incessante que se desdobra como perfaz o anel do círculo. Vaughan ouvia sempre com atenção as suas histórias, mas sempre repetia a mesma frase:- pai, eu sinto falta do barulho do mar. Ao menos era a maneira como ele conseguia descrever a dor cortante que incomodava seu estômago. Com estas palavras Vaughan conseguia silenciar seu pai que em seu semblante frio baixava os olhos e partia com seu cajado para o interior da ilha.

Vaughan confessava a si mesmo que a frase utilizada era ambígua, tinha o intuito de expor seus anseios na medida em que fazia o pai calar-se, pois já estava cansado de ouvir coisas que não teve oportunidade de viver, parecia-lhe injusto em uma ilha capaz de mudar o passado e ver o futuro nada ter a fazer, o cotidiano era sempre o mesmo. E clamar por justiça ou qualquer outro sentimento naquele contexto era inútil, a vida parecia rodar para aqueles que estavam de fora da ilha, e naquele momento Vaughan chegou a uma conclusão, depois de infindas vezes praticar algo que naquela ilha havia sido esquecida; pensar sobre sí e o mundo lá fora. A sua conclusão foi dita em voz alta ao olhar para o silêncio do mar encoberto no vidro. – eu sou excluído, não uma exclusão qualquer em um momento particular onde me privo de fazer algo, eu sou privado daquilo que me cerca em totalidade, que me faz ser o que sou, eu sou excluído, privado da soberania do reino que habita em mim. Da infindável multiplicidade de possibilidades do que posso vir a ser, nada me resta sem ser o que sou e nada sou se nem mesmo posso vir a ser. O que é um homem se não é dado a ele a capacidade de assumir-se como tal, de esgotar o seu pensamento ao se lançar no mundo sem fronteiras e sentir em plenitude cada momento como se fosse único? Um homem precisa de uma única vida e não de uma eternidade. Precisa de espaços abertos e não de fronteiras fechadas. Respirar o ar cortante dos montes e não as arestas das rochas. Ao sentir tamanha força em seu espírito, resolveu contar a seu pai as boas novas que ali chegavam, e de maneira infantil disse a seu pai como achava que aquilo era um sinal dos Deuses e que em seus sonhos escutava as risadas e o choro dos homens lá fora. Achava-se inclusive de uma grandeza espetacular por ter tido esta visão. Mas seu pai, um homem cansado de lutar pela humanidade, escutou atentamente Vaughan e disse-lhe em um tom sério e desanimado:- não existe nada no mundo que já não tenha acontecido, nenhum fato novo irá alterar os seus acontecimentos, a vida seguirá continuamente no círculo do anel. Não se ponha em superioridade em relação aos demais, pensar parece grandioso, mas é como um labirinto, cada curva que se entra pode ser também um caminho sem saída. Mas, a despeito do que digo e sinto sobre você, não me cabe julga-lo, em minhas visões eu sempre soube de teus anseios, apenas burlei o tempo o máximo que pude, para retardar os acontecimentos, mas algo sopra em meus ouvidos, sobre a inevitabilidade do jogo da vida, mesmo nós, homens da ilha de vidro, podemos quebrar nossa bolha. Emocionalmente você já quebrou a sua, mas esteja preparado para a angústia de nunca se sentir de lugar algum, de nunca mais encontrar repouso em terra de ninguém e de jamais saber ao certo qual é o seu lugar. Esta é a conseqüência mais terrível amputada ao homem, até hoje, conheci poucos homens capazes de viver este fardo tão pesado. Mas outrora, diziam que os Deuses jamais dão um fardo que um homem não possa suportar, cada peso é inerente à força psíquica de cada um em seus anseios e vicissitudes. Eu poderia meu filho, passar dias inteiros falando deste deserto que se abre como teu caminho, talvez, eu poderia até te preparar para isto. Entretanto, não acredito que um homem ao cruzar esta linha deseja ouvir algum outro ensinamento. Ao alcançar este ponto, olhar para trás acontece apenas naqueles que não se esvaziaram totalmente, e ficam presos em suas correntes, mas para aqueles que se esvaziaram, partir é tudo que lhes resta. Acredito meu filho, que este é o seu caso. Sonhei com tua mãe outro dia, queria que soubestes disto antes de partir, ela é a mãe disto tudo, nunca concordou com minha escolha, morreu em terra, mas pediu que eu deixaste esta mensagem: - o mundo encontra-se na travessia, diga a ele que nunca esqueça disso. Naquele tempo ela me disse isso, mas infelizmente, os homens ainda não possuem a capacidade de intuição e sabedoria das mulheres, ao afastar-me dela, me perdi e tornei-me apenas uma carcaça do que fui um dia. Vaughan interrogou o seu pai do que ele havia dito sobre o deserto.- pai, você diz que onde estou é um deserto, mas só agora me lembro do barulho do mar, e sinto que o que tenho a cruzar é o mar e sentir seus insondáveis mistérios e chorou ao ouvir as palavras do pai e começou a lembrar de sua mãe, sua lágrima tão profundamente jorrou de seus olhos que reluziu como um corisco em seu pai. A sua dor foi compartilhada, seu pai pôde enfim retomar de algum ponto o homem que ele era, e isto fez com que ele subitamente sentisse em seu corpo que o peso da existência enfim havia chegado e com a voz trêmula e ofegante, deitou-se em seus aposentos e disse ao seu filho: Vaughan preciso ser breve neste momento, pois enfim, sinto que apesar do calor de emoções que fui tomado, a frieza e alheamento de emoções em breve voltará a reinar no meu corpo, e nada mais poderá lhe ser dito. Existe no interior da ilha um caminho atrás da cachoeira de Dólmen que leva a uma pequena saída da ilha, é uma aresta que o vidro não tocou, vá até lá e leve o meu antigo barco de guerra, parta o quanto antes, cruze os mistérios insondáveis do mar, seja tudo aquilo que você deseja ser, nem mais nem menos, só aquilo que você é mesmo.

Vaughan beijou as mãos de seu pai em agradecimento e partiu sem pensar em mais nada, em sua mente a clareza de idéias lhe dizia com mais clamor que não restava mais coisa alguma ali, ele abraçou o crepúsculo até chegar à cachoeira de Dólmen, enveredou por entre as suas rochas empurrando o barco de seu pai que ali se encontrava preso às águas, entendeu que seu pai já prevendo a sua jornada, deixou o barco ali e que era como uma herança do homem que ele tinha sido e o desejo de que seus ancestrais trilhassem um pouco de seu caminho. E ele cruzou a ilha, seguiu noite adentro sem rancores ou receios, só com as estrelas. Mas à medida que o tempo da longa noite passava em sua alma, sentia todos os desejos e emoções pertinentes a um homem, foi como um choque, era dor, amor, medo, pavor em certos momentos, menos aquela dor cortante no estômago que ele havia identificado com a tal angústia que o pai havia falado. O turbilhão de emoções cortantes o nauseava constantemente, eram freqüentes os vômitos e o suor em sua testa. Mas ele ria, ria loucamente, como uma criança, ora ira, ora chorava. O barulho severo do mar, do vento e da noite fascinava sua alma.

Mas enfim, Vaughan ouviu um barulho de mar diferente, mais forte, imponente e hostil. E levantou o archote que carregava no interior do barco, e ao acender a luz, reconheceu-se na firmeza da terra, viu seu passado em cores, sentiu o extremo gosto do mundo. E ele remou com tamanha intensidade e força até não agüentar mais e chegar em terra firme. Deitou-se alegremente naquela terra, gritou e bradou efusivamente a sua chegada, deixando a maré ir e vir sobre o seu corpo até não poder mais. Até o momento que vislumbrou a aurora da manha despontar no céu e parou para ver seu corpo, ele havia envelhecido, suas mãos eram rígidas e ressecadas, sentiu que a respiração lhe faltava e que seu rosto havia murchado. O tempo do outro lado da ilha havia passado, e a longa noite não o poupou desta sentença. Vida e morte se cruzavam em Vaughan a medida em que ele observava o quanto o mundo havia mudado desde o tempo em que tinha partido. O mundo cheirava mal, não era um odor qualquer, era um mundo enfraquecido e em dor, a terra também havia envelhecido na longa noite junto com Vaughan e os homens que ali passavam pareciam não ver Vaughan estendido na beira da praia, eles estavam iguais aos homens da ilha de vidro, e ele sentiu isto. Mas resignado admirou a aurora e não deixou de pensar em quem era ou o que queria ser, ainda assim, era um homem, e isto já lhe bastava. Ele deitou novamente, deu seu último suspiro e morreu deitado sobre a luz e o mar.