sábado, 19 de janeiro de 2008

NIILISMO: REVOLTA METAFÍSICA OU REVOLUÇÃO?




Em Nietzsche, Deus é submetido ao juízo moral, e daí surge a pergunta: Negou-se Deus por justiça, mas a justiça pode ser pensada sem Deus? Este é o absurdo em Nietzsche, e a partir desta premissa ele começa o projeto de desconstruir a moral, para destruir a idéia de Deus. O seu projeto envolve o homem ocidental, pois é nesta cultura que se construiu a idéia de moral.

O niilismo em Nietzsche assume ares proféticos, entretanto é o homem clínico que pormenoriza o niilismo. Faz um diagnóstico de sua época, para ele o niilismo tomará a forma de um apocalipse, sendo então que ele faz uma análise, um diagnóstico e uma previsão de sua época sob a égide do niilismo e as conseqüências políticas deste acontecimento para as épocas futuras. Diagnóstico: “incapacidade de acreditar e o desaparecimento do fundamento primitivo de toda fé, ou seja, a crença na vida.” (CAMUS, p.86, 1999).

A pergunta em Nietzsche afasta a revolta pela pergunta se é possível viver sem acreditar em nada? A resposta para ele é afirmativa, sim é possível desde que se ausente de toda a fé, e que o niilismo vá até as últimas conseqüências e que atravessando o deserto (lê-se Zaratustra) aprenda a reconquistar-se e a viver no trágico da vida. Os dois aspectos pertinentes a esta afirmação estão baseados na negação metafísica e na destruição de valores. Estas seriam as armas de fogo postas por Nietzsche para destituir o sistema moral e conseqüentemente para destronar o Deus da cristandade. Sendo assim, nega-se a existência do divino e anula-se a idéia de unidade e finalidade, desse modo o mundo não pode entrar em julgamento, pois os juízos de valor foram presumidos pela existência de Deus, sem ele exime-se de toda culpa o todo existente. E assim, afirma-se o assassinato. Mas sobre isso falaremos mais tarde.

O niilismo é a incapacidade de acreditar, a filosofia de Nietzsche começa exatamente como uma revolta por esta incapacidade que se converte na frase “Deus está Morto”. Começa a se construir uma filosofia em cima da revolta, desde a compreensão lógica do niilismo como possível acontecimento. “Nietzsche não meditou o projeto de matar Deus. Ele o encontrou na alma de seu tempo” (CAMUS, p. 89, 1999). O Deus acaba por se decompor naturalmente, a idéia de que o homem entra em decadência é como se a partir do momento em que foi criada tivesse um tempo determinado para acabar. Isto porque a amarração de sua idéia operava desta forma. A morte de Deus trata-se de um rompimento com a tradição. Sem Deus é preciso aceitar o mundo tal como ele é, aceitar a fatalidade como preço da renúncia.

Nietzsche volta aos pré-socráticos e a idéia de eternidade, negar Deus e aceitar a divindade do mundo, participar da divindade e o mundo será assim de homens-deuses, assim será o superhomem.

Este niilismo insistente se move contra a condição humana e o seu criador, no niilismo o homem nega o criador e passa a ser o criador dos domínios humanos. Assim, a insurreição humana é um protesto contra a morte, o homem se recusa veemente em aceitar a morte. Ele se recusa em aceitar a morte e, no entanto aceita a essência do mundo tal como ele é sem um Deus para salvar. Rejeitando o salvacionismo ele se ausenta de toda culpabilidade moral que provoca a incerteza das convicções. As conseqüências deste niilismo são atrozes à condição humana, mas, no entanto dão clareza e liberdade de intenção.

O século XIX será o século da revolta, enquanto o século XX o século da justiça e da moral, como o homem se insurge contra a figura divina e passa a ser responsável pelas suas próprias ações, assim constrói uma dinâmica para o assassinato em massa sem precedentes na história. O homem sem Deus justifica o assassinato através da razão. É nesse ambiente histórico que se constrói um niilismo avesso ao de Nietzsche, que é o niilismo moral na vontade de poder. Nietzsche acaba por escrever coisas que promovem o assassinato, porém sugere Camus ser involuntário, o que parece um excesso de inocência de sua parte, não que Nietzsche estivesse investindo numa postura de promover o assassinato, mas teria uma terrível consciência de que numa era sem Deus, o homem destituído de toda culpa teria liberdade em matar o outro, ou seja, com a ausência da moral o homem se ausenta da culpabilidade moral e aí pode racionalmente justificar os seus atos como senhor dos seus domínios. O maior exemplo disso se tornou a ascensão do nacional socialismo na Alemanha de Hitler. Esta ascensão promove para eles a justificação do assassinato em massa dos judeus, dentro de uma construção filosófica do poder incondicionado da vontade de poder.

O que seria a vontade de poder? Para fazer uma caracterização prévia usaremos as interpretações que se faz dela por Müller-Lauter. A vontade de poder não é um querer qualquer, o querer algo é poder (um querer essencial) que se converte em vontade de poder. Como a vontade de poder sempre almeja mais poder, ela se converte em dominação, na medida em que: “alongamento de poder se perfaz em processos de dominação”. (MÜLLER-LAUTER, pág. 54, 1997). Deste modo, o querer-poder (macht-wollen) é afeto de comando e execução. Toda a aspiração de querer algo é vontade de poder e aspira a dominação, ao querer sempre mais. Sendo então, que a vontade de poder se faz em escalas de dominação, na ascensão e afeto do poder. É a revolta armada da modernidade, a tentativa de abarcar a totalidade do mundo que se cobre de justificações teóricas para cometer seus crimes. Ao citar Nietzsche, Müller-Lauter consegue identificar essas inclinações do domínio “Mais inequivocamente ela se deixa mostrar em todo vivente... que tudo faz não para se conservar, mas para se tornar mais.” (fragmentos póstumos de Nietzsche citados por Lauter). É neste arcabouço teórico que a ditadura nacional socialista mostra a sua face, na vontade de poder, o homem, ao contrário das leituras tradicionais que fazem, não quer se conservar, o homem quer ser sempre mais, e para ser sempre mais ele precisa se impor ao outro através do assassinato. Entretanto, dentro desta visão apontada do niilismo por Lauter esse mais no interior da vontade de poder traz conseqüências funestas, conseqüências estas travadas a ferro e a fogo na história das revoltas humanas. Pois, a vontade de poder se auto-destrói na vontade da vontade, esse poderio incondicionado da vontade de poder, do querer sempre mais, do homem jungeriano automatizado para a guerra, que se arma e se constrói para a guerra é destruído dentro de seu próprio ideal. Os assassinos que se construiu dentro do império hitlerista e a sua teoria, se auto destruíram no percurso da história e as suas pretensões históricas de domínio da totalidade, marcam a sua derrota. Os soldados hitleristas, robôs automatizados, cometem suicídio, pois só no fim descobrem que seus ideais já profetizavam a sua derrota.

Segundo Camus, quando no romance de Dostoievski se dá a morte de Deus, aí começa a tragédia do homem contemporâneo, o que a muito queria se insinuar fica claro ao mundo. Começa-se a partilhar da idéia comum de que não há mais lugar para figura divina, é preciso quebrar o espelho das convicções e no caso esta é a maior delas. Mas dentro de um mundo ensombrecido pelo niilismo não é esta revolta particular que o insere, ele começa dentro de inúmeras revoltas que conhecemos, seja o iluminismo, o surrealismo, a poesia erótica e maldita, são todas as formas de insurreição que acabam por descambar no niilismo. E agora chego à pergunta, o niilismo será uma revolta metafísica como foram esses outros movimentos ou uma revolução que ainda demora em acontecer plenamente no coração dos homens? Para Camus, a revolta circunscreve um pequeno movimento no interior da sociedade, onde grupos se rebelam sobre o pensamento aceito e passam a discordar dele, enquanto que revolução teoricamente conserva o sentido que tinha em astronomia. “É um movimento que descreve um círculo completo, que passa de um governo para outro após uma translação completa”. (CAMUS, pág. 132, 1999). Neste sentido a compreensão de revolução se estende para outros domínios, e essa diferença essencial se dá porque no seio da revolta ela atesta mais um ponto de vista contra um sistema imposto, ela é apenas um protesto e não tem compromisso com uma mudança de fato, enquanto a revolução começa a partir da idéia, uma idéia que precisa de tempo para ser maturada e não necessariamente vai acontecer prontamente, ela acontece na experiência histórica, segundo Camus. E por isto pensa-se que uma revolução para acontecer ela precisaria ser única e ainda não ocorrida de fato se analisarmos estas prerrogativas.

Para analisar esta idéia surge uma outra pergunta em seu interior, poderia ser o niilismo uma revolução que está para acontecer ao homem? Que aparece como um movimento de pensamento mais claro a partir do século XX com Dostoievski, Nietzsche, mas que analisado por Heidegger se insurge no interior da história desde o platonismo e neste sentido é intrínseco a ele, e mais, que em Heidegger e Jünger se torna um deserto a ser atravessado. Esta seria a revolução que se anuncia para estes pensadores profetas? A de que a revolução será a travessia do deserto? O obscuro do niilismo é não saber de fato ao que ele se propõe, ao longo dos séculos passou de pessimismo decadente, niilismo ativo de ultrapassagem, a uma tentativa de cruzar barreiras em se pensar o homem, aquele homem equilibrista em que Nietzsche visualizava estendido em uma corda entre abismos.

Um comentário:

lil disse...

este texto foi inspirado no livro O Homem revoltado de Albert Camus