“O espírito do niilismo precede a atividade do niilismo”.
A compreensão do que digo parece fácil, a experiência de viver sobre a dureza do chão frio do niilismo é que é difícil. Atravessar a longa noite sem archotes ou velas, ter a dureza necessária de espírito, renegar aquilo que aparentemente somos, para sendo menos, sermos mais. É uma filosofia do nada nihil, não é doutrina, nem mesmo corrente de pensamento, além disso, é preciso não confundir a profusão das forças que operam o niilismo, pois o espírito do niilismo precede todas as experiências do cotidiano, e neste ponto não devemos confundi-lo. Algumas experiências do horror podem acontecer no meio do caminho, por isto devemos estar preparados. Heidegger por exemplo “olhou para o abismo da filosofia e viu as bestas do nazismo—se tornou de fato um nazista” (Adler). São necessárias muitas ultrapassagens, muitas escalas e esferas precisam ser passadas, inclusive a que concebe um intenso horror.
Muitas perguntas se fazem sobre o niilismo, uma já respondida, não é corrente de pensamento, foi de inicio, como queriam os russos, achavam que iam revolucionar o mundo através do niilismo, ao negarem o mundo, ele ia se transformar. Pura convicção de literatos políticos obstinados. O mundo aparentemente não se transforma, só se reconfigura, passou da metafísica humanizante como processo de domesticação do homem à técnica desumanizante. Nada neste meio tempo se transforma apenas se torna utilitarista, determinada em aplacar as nossas bestialidades. Mas nossos instintos são mais ferozes e perpassam qualquer tentativa de coerção.
Somos niilistas e somos doentes sim, Nietzsche faz um diagnóstico desta época do apogeu dos doentes, dos niilistas, porque em um mundo que falta a significação ficamos doentes, estávamos mesmo condicionados a ter significado no mundo, como animais, éramos destituídos disto, a bestialidade independia de significados, mas, domesticados precisamos dar razão a algo, o racionalismo socrático e sua infantilidade.
“unheimlichste aller Gäiste”, o mais estranho dos hóspedes—o niilismo, esta raiz funesta que impera no interior dos homens, salta aos olhos, como um vulcão adormecido, deixando o mundo em chamas, tornando-o obsoleto. Zaratustra dizia: O convalescente, na interpretação do alemão significa aquele sem lar, assim são os niilistas, raízes funestas sem lar que atravessam a longa noite. São como feras enjauladas, que sem temor cruzam a noite em agonia, a gritar no anseio pelo distante, pela liberdade. Monstros de forma bestial, liberados pela aurora infernal. Estamos subjugados e tolhidos pelas tentativas burlescas de domesticação grotesca de nós mesmos, somos o fundo sem fundo, sem originalidade, a tentativa inútil de uma glória nadificante, mais o niilismo e seu estranhamento desentranha-se cada vez mais.
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