segunda-feira, 2 de novembro de 2009


Alma Viciada Leve minha esperança para campos férteis,
Deixe a beleza da minha tristeza fugidia morrer e

Delinear sobre formas incandescentes um seu desejo funesto.
Busco curar-me, não uma cura qualquer, mas a minha alma viciada...
Que das ruínas de Bifrost são ecos dos mortos que ainda sonham

Dos templos enrijecidos das Grandes Eras esquecidas.

Eu me tornarei em breve mais que uma vontade, uma aurora...

Nos círculos de Níobi a angústia refaz o circulo da dor,

Olhos, medos e lágrimas, alma viciada.

A permanência do universo é um espectro fino da voracidade dos afetos,

As instâncias hostis do veneno das palavras,

Mas não há peso que não vire pluma,

Não há deserto que não vire oásis,
Não há dor que não transforme a vida.

Williane Oliveira

sábado, 24 de outubro de 2009

humanidade em crise



A questão acerca do ser é a questão originária desde a Antiguidade. Reside no pensamento do homem no questionamento de si mesmo. Desde Parmênides, interrogação nos toma de sobressalto, nos impele a um medo, um espanto de si mesmo, sobre o que nós somos mesmo diante deste ser? Tal pergunta revira-nos o estômago, pois nos tira da comodidade de supormos através da racionalização vulgar a ascensão do homem no mundo. Mas a questão é muito mais problemática e se assenta em raízes muito mais profundas. O fato é que desde a filosofia, passando pela literatura, sociologia e chegando a ciência num contexto geral, o significado do ser é perseguido.

As coisas desde Parmênides mudaram muito, mas a profundidade de seus questionamentos continua firme para a não resolução do problema ou dilema. Para quem ainda pense em termos filosóficos, a pergunta que se faz é: Quem ainda credita como medida de valor, ou de verdade, o pensamento filosófico?

Para a contemporaneidade o universo filosófico distanciou-se bastante do homem comum, mas dentro de uma visão geral foi reduzida a quase nada, e as disputas de pensamentos filosóficos e defesas de seus sistemas foram abandonadas. Giordano Bruno não precisaria hoje se preocupar em ser queimado na fogueira. Pensando a estrutura básica da humanidade hoje, é óbvio que nos deparamos com o mundo da utilidade do descartável, tudo é rápido, é cômodo, e com a velocidade que chega é facilmente descartado, dentro de um sistema giratório de passagem de validez a não validez. O que seria o mundo hoje se fossemos conceitua-lo? O mundo é utilidade. A palavra da vez é informar, se diz que o mundo é informar, mas o aspecto intrínseco deste informar o que seria? Sobre que propósitos servem este informar? Para ser útil, para quaisquer fins, não importa o fim, importa a meta, ser útil ao informar, por isso a assertiva é válida, o mundo é utilidade, esforço em desdobra-se as utilidades pretendidas dentro da esfera do informar.

O filósofo Heidegger em meados do séc. XX já se dava conta dos caminhos destinados ao homem e cheirava a carnificina a que se destinava o pensamento. A tragédia em que se insinuava o exercício do pensar ante a sua destruição diante o fenômeno da técnica. Ela, a técnica, é talvez a responsável pela desertificação do pensamento dentro desse sistema da utilidade do descartável, o sanduíche do mac que sai em um minuto, a assinatura dos lançamentos de filmes que saem na tv a cabo, as conversas descartáveis no msn, a fluidez do twitter... O útil/inútil da cultura lixo que tanto necessitamos ressalta a desertificação do pensamento do século XXI que firma uma tendência—a de que o niilismo conseguiu ainda se desdobrar na contemporaneidade, agora no modo da cientificidade. Arnold Gehen em Ende der Geschichte (Fim da história) de 1974, baseia-se em Gottfried Benn, que diz que desde 1954 o mundo não caminha pelo tempo graças a um desenvolvimento, mas unicamente a um movimento. A diferença entre desenvolvimento e movimento consiste em que, no primeiro caso, a cultura e a dinâmica social são substituídas por outras conforme o avançar do tempo. No segundo caso, que é o atual, o mundo assume, planetariamente, os ditames da civilização tecnológica que consiste na produção e substituição contínua para sustentar as engrenagens do capitalismo. A sociedade reproduz repetidamente sem criar nada de novo, mas simplesmente sustenta as engrenagens do capitalismo que necessita do consumo independentemente da necessidade. Logo, graças à reprodução repetida sem criação, a ordem se cristaliza. De acordo com este pensamento, observa-se que o niilismo pode não ter sido rompido ou ultrapassado, como queria Nietzsche, Jünger, pois, isso fazia parte de seus projetos filosóficos, uma tentativa de superação, entretanto, a assertiva heideggeriana em dizer que a linha do niilismo não foi ultrapassada, faz sentido ao seguirmos este rastro e no modo mesmo da atual conjuntura do mundo. Pode mesmo se dizer que vivemos ainda uma sociedade niilista, mas agora uma sociedade que já aceitou a morte do Deus cristão, que já viveu a Era do Caos (II guerra mundial) e agora encontra a paisagem do niilismo tecnocientifico. Mas o fato é que nós gostamos da cultura útil-inútil, pois a cada semana podemos nos divertir pensando no útil-inútil que somos nós mesmos. Heidegger pensou também em salvar o humanismo, tarefa esta perdida na visão de Sloterdijk, que usa Heidegger contra Heidegger. Não é ataque ao pensamento de Heidegger, mas uma extrema honestidade ao dizer que em um mundo onde o informar da maneira mais rápida possível é o que vale dentro da esfera de uma moderna sociedade de massas, querer Heidegger resgatar o modelo de uma sociedade poético-filosófica parece mais um conto de fadas. Entretanto, entre os letrados, o salvacionismo impera vertiginosamente. E todas as tentativas naufragam diante de nossos olhos, é só passar um olhar atento na história mundial; as grandes guerras, a dominação imposta de um povo para outro, a destruição eficiente das florestas, o esgotamento da terra em busca de suas riquezas naturais, o estado de barbárie que impera no seio da América latina, o estado de terror imposto pelas culturas islâmicas, as eficientes intervenções políticas dos lideres mundiais em paises pobres, são alguns dos exemplos. Mas o que se quer dizer aqui não é nada de novo, apenas é uma exposição das conseqüências lógicas do problema.

Para Sloterdijk, seguindo um rastro antropológico, o homem é um animal fracassado, ele fracassou como animal em seu nascimento prematuro e passou da comunhão da natureza a uma tentativa destruidora de sobre ela imperar em seu modo técnico, deste modo, seria o homem antropotécnico, desde a sua saída do ambiente animal ele seria desde já conduzido pelo modo da tecné, um modo técnico a partir da manualidade da pedra. Com isto, pensando além de Sloterdijk e voltando nosso olhar para Nietzsche e Heidegger, vivemos duas grandes eras: a era da metafísica e a Era da técnica. A da metafísica ficou caracterizada como a vigência de um pensamento grego, filosófico, que culminou em um ocidente moralizado e cristianizado que creditava todos os seus valores em um mundo divino e dele fomos reconduzidos a uma afirmação da técnica a partir da I guerra mundial, que analisado por Jünger levou o homem a sua armação Gestell, onde a vontade do homem era conduzida no eminente esforço de produzir os meios técnicos para gerar e fazer prosseguir a guerra, gerando indivíduos automatizados para a guerra.

O que se aponta também ao expor uma análise da nossa história é dizer que tanto a Era da metafísica quanto a Era da Técnica se embuiram no esforço de domesticar o homem, como fala Sloterdijk, e que seus conseqüentes esforços naufragam como foi citado.

O naufrágio do humanismo nos leva a reflexões ainda mais urgentes em nossa época: a de que se somos animais fracassados, e, se não conseguirmos através de uma cultura humanista; artística, filosófico e literária, o projeto de adestrar os nossos impulsos primários, então o que somos? Não somos totalmente animais, mas também não somos totalmente humanos e a despeito das literaturas vigente, citando Frankstein o médico e o monstro, que diabos de criatura medonha somos? Bestas feras, abortos da natureza incompreendidos em sua esfera de realidade? O que é dito, não é dito ao bel prazer, trata-se de um questionamento necessário a uma época esgotada, que assiste o esfacelamento do pensamento, que já não suporta o peso de nenhum sistema filosófico ou de ideologias políticas e não consegue fazer descer o entalo causado pelo niilismo.

Ontologia, poética, hermenêutica? Que termos mais “outside of our lives”, por assim dizer. Apesar de toda a vulgaridade tudo pode vir a ser pensado e tem possibilidade de passar por análise do real, e desse modo vejamos: alguém lembra do clássico filme fruto da cultura “utilidade do descartável” Mad Max, onde os homens conseguiram destruir suas riquezas naturais e vivem num deserto pleno, seja de falta de riquezas naturais, seja de um deserto de emoções. Pois é, um filme exemplo do fruto da massificação que prolifera desde os anos 80 faz-nos pensar essa idéia. Mas e daí? De fato é apenas uma reflexão!

Todas as grandes questões já foram pensadas, tudo é passível de discussão, mas em que é pautada a análise do real? Na sua aplicabilidade e possibilidade de mudança no seio das coisas? Então, no meio dessa torrente a filosofia se afasta, perde a circunstancialidade, porque a sua transformação é de um nível muito sutil, profundo e desconhecido—O modo mental de articulação de ideias e ideais. Heidegger, ancorado em Nietzsche, pensava de maneira astuta tal imposição da sociedade, tendo em vistas que o universo filosófico para aqueles que se lançavam a navegar como dizia Nietzsche, sorveria o homem a uma imensidão de descobertas, ou ao espanto filosófico de pensar o universo, a ampliar cada vez mais diversos horizontes, e diferentemente dentro de uma outra perspectiva. De outro lado temos a realidade vulgar, onde o homem comum está acorrentado a nunca descobrir tais perspectivas. Existem também, segundo Heidegger, certas rachaduras ou mudanças de pensamento, mudanças que estão distanciadas da compreensão do homem comum, e que são como finas rachaduras, difíceis de serem observadas a olho nu. Ora, mas que fatalidade nos parece, observar que ao filósofo foi relegada à árdua tarefa de conseguir adentrar a um nível de compreensão mais elevado que os demais. Que destino tão fatal e irremediável, afastar essa espécie de homem-filósofo, criatura tão exótica e démodé dos demais viventes. Ora, numa época em que os modismos são apenas meras repetições de modas passadas, eis que esperamos o amanhecer do homem-filósofo, um bicho grilo, pensador, que aproveita o embalo das circunstâncias para ver ao seu modo as coisas do mundo alguns diriam.

Tudo bem, quem está lendo esta “historinha” deve estar ai dizendo: hei, essa história do filósofo “o promulgador da verdade e não-verdade” é nossa amiga antiga, ora de há muito tempo conhecemos esta fábula, que já desde Platão nos é enfiada na garganta de uma só colherada, mas que de fato se antes nos custava fazer descer, já hoje a cuspimos no prato. Por que pensar na verdade, na finalidade, se há tempos não temos nem o que sorver, nem mesmo uma fonte limpa para bebermos e nos purificarmos?

E hoje se pergunta quem vive a experiência da abnegação do virtual/factual? A resposta é clara, talvez um monge do Tibet, ou um convicto yógi-místico da Índia. Até porque, em tempos de penúria mesmo as freiras de Emaús estão sendo recicladas. Mas que a despeito de todo o humor negro, é fato a determinação quase inconsciente de que há tempos na era tecnológica, vivemos enfadonhos com o demasiado útil.

O que mais perturba, sobretudo hoje é perguntar: repetindo, hoje somos o tipo de ser humano que indicava Nietzsche, no qual se destinava a falar? Carregando em si a demasiada carga de esperança, declínio e redenção da vingança? Talvez o mestre do eterno retorno ficasse desapontado com as pessoas da praça pública que ainda carregam o peso da tradição mesmo na Era da Técnica.

Parece que as perguntas levantadas caíram em desuso, mas não se enganem meus caros, entramos no jogo mais que sórdido da falta de clareza. E isso fica claro, a partir do momento em que Nietzsche lá atrás diz: ”Deus está Morto” e ainda ressalta: Nós os matamos, somos os seus assassinos! Há que felicidade plena ao ouvirmos isso não? E mais ainda, que a religião nasce do medo da dor, o cristianismo como ungüento para amenizar a dor, Deus remédio dos enfermos. Uma patifaria sem fim, mas logo nos pronunciamos ao imediato, ao rápido, ao útil, nos dirigimos ao culto do shopping center, do relógio importado da Coréia, e ao perfume francês para escondermos a carne podre que nos vestimos.

Repetindo, vivemos duas grandes Eras: a Era da metafísica e a Era da Técnica. E ao fecharmos estas duas, a comunidade filosófica pareceu com isto achar que o pensamento tinha terminado o clima de catástrofe deixado pelo niilismo, já estavam acomodando suas cadeiras em torno das ruínas deixadas. Entretanto, é inevitável após esta reflexão apontar que o ideal e o esforço de superação pensado, esgotou-se no seio mesmo da terra. Ainda nos deparamos com o deserto a ser cruzado do niilismo, respondemos por uma zona ou ponto zero que se não está em conflito aberto, apenas fechou os portões do pensamento por uma cultura de massas, alienada, estagnada em que impera o útil/inútil descartável do cotidiano. Através de um niilismo tecnocientifico em uma sociedade tecnicizada ancorada na repetição de si mesma. Esta poderia assim ser caracterizada como a Era da informação, de algo que se perde como verdade e apenas se sustenta como complexo de integração e desintegração, como dizia Bernard Marshall. “Tudo o que é sólido desmancha no ar”. Ser moderno é viver uma vida de paradoxo e contradição. É sentir-se fortalecido pelas imensas organizações burocráticas que detêm o poder de controlar e freqüentemente destruir comunidades, valores, vidas; e ainda sentir-se compelido a enfrentar essas forças, a lutar para mudar o seu mundo transformando-o em nosso mundo. É ser ao mesmo tempo revolucionário e conservador: aberto a novas possibilidades de experiência e aventura aterrorizada pelo abismo niilista ao qual tantas das aventuras modernas conduzem, na expectativa de criar e conservar algo real, ainda quando tudo em volta se desfaz. Dir-se-ia que para ser inteiramente moderno é preciso ser antimoderno: desde os tempos de Marx e Dostoievski até o nosso próprio tempo, tem sido impossível agarrar e envolver as potencialidades do mundo moderno sem abominação e luta contra algumas das suas realidades mais palpáveis.”

E por fim continuamos escravos a uma maneira de pensar e agir que nem sabemos se é nossa. Assim, as grandes massas que não sentem o cheiro de podre em que se escondem nossos vãos pontos de vista poderão então esquecer toda essa história de verdade em favor do inútil que somos.
Williane Oliveira

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Estação das luzes ou o fim do carnaval


Existem anseios guardados em nossas mentes, mergulhados no mais infinito sono, que são como dias sem sol, onde a intensidade do frio não nos deixa ter repouso. Como nuvens inchadas, estes anseios deságuam no mais profundo oceano que guardamos.

Todas as nossas dores são como simulacros enraizados nas nossas diversas idiossincrasias, se mantém guardadas pela nossa polidez, do medo de fracassar ou de ter êxito. A liberação dessas dores e anseios guardados sempre nos reportam ao âmago das lembranças. Assim é a história dos homens, luta de gerações para preservar a primeira infância de nossos ancestrais, a lembrança de Gaia.

Nossos sonhos são tão perenes, tão acelerados, tão perdidos no tempo. E assim, quem pode nos salvar desta perdição das forças ocultas que se estendem sobre nós? Legiões de detratores, onde só a mãe chora pela morte de seus filhos. Pois, um filho esquece rapidamente a morte de um pai, mas um pai nunca esquece a morte de um filho. E como pode ser a vida tão hostil? Tão cruel até nas suas maiores alegrias. Na alegria de amar um filho, de amar a vida e a todas as circunstâncias vagas em que amamos o mundo como amamos a nós mesmos.

Aquela noite eu nunca esquecerei, do meu avô a me mostrar a plenitude do mundo, do silêncio que recobre o amor, a adversidade em que o amor se mostra. Naquela noite tive medo, pois não havia luzes, nem mesmo os candeeiros queriam funcionar e eu chorava intensamente no colo de minha mãe, embalada por uma velha rede. E ali todos os meus anseios despontavam sobre meu corpo.

Em todas as noites em que oprimida no seio de minha mãe, ela me perguntava o que eu temia, e eu respondia que não sabia. Mas com os anos fui montando meu pequeno quebra-cabeça. Era medo do mundo, medo de mim, de quem eu seria, de quem eu não seria, medo de sofrer, medo de ser vitoriosa, medo de não sê-lo, medo de ser!Medo de não ser! E assim, neste medo vago e indefinido, eu já era eu mesma. Essa inquietude, toda a minha verborragia, onde essas risadas insanas não me revelam, sobretudo me escondem, porque como eu disse no começo: “existem anseios guardados em nossas mentes...” e como liberar estas dores? Esses amores, fraquezas, sonhos, e tantas ilusões? É o fim do carnaval. Não brinco mais, não sonho mais. Apenas em alguns melancólicos momentos mergulho à minha infância, me estendo naquela noite, em que da rede levantei-me na imensa escuridão da velha cabana e segui o cheiro do cachimbo do meu avô. Ali se abriu para mim a estação das luzes. O brilho das estrelas e a risada leve do meu avô me disseram coisas que nem um milhão de livros alguma vez me disseram. Aquele noite percebi o acaso da vida, que nos resguardamos no silêncio, como as estrelas, pois todas as coisas precisam de tempo, a terra precisa de tempo, tal qual esta árvore frondosa do sertão a sua frente precisou de tempo para crescer e secar ao longo do tempo. A terra precisou de tempo para do mar virar sertão, para você chegar a este instante e sonhar com a vida, para sentir seus medos, seus anseios, essa angústia, e isto tudo, fruto de um único instante. Um marco, o mero acaso das circunstâncias vagas e destemidas que a vida nos recobre. E neste precioso e curto espaço de tempo, aí está você prostrada como um mármore frio e como a noite, a medir a sobriedade da vida, mas com que propósito? Com que propósito somos lançados a este infinito universo de desconsolo? Talvez propósito nenhum. Sem joguetes, metáforas, artimanhas ou vilanias de deuses, sendo apenas o mais puro acaso de circunstâncias vagas.

Mas guardamos na memória a nossa primeira infância, primeiro e pequeno mundo de filosofias e adversidades, a memória funesta de milhões de gerações que se perdem na crueza do esquecimento que é o tempo, o tempo é o esquecer, que nada perdoa, nem mesmo a própria Gaia, que fornece a vida e lança o jogo emblemático do tempo. Assim, segue o mundo, assim, nos tornamos hiperbóreos.
Williane Oliveira.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Acabou


Acabou, A única coisa que podemos dizer do futuro é que ele virá, Não temos fissuras no tempo para se esconder, nem mesmo este instante. Acabou, a voz do demônio não chegou a tempo das circunstâncias, Não possuímos o domínio das veleidades femininas, não como queriam os deuses, Não como supõem os astros, não como desejavam os homens. A duplicidade dos afetos são corrupções burlescas, O fruto proibido das paixões se tornou resíduo amargo das convenções. O repouso dos mortos é estarem mortos, para os vivos resta a angústia, O desconsolo, um universo inteiro aberto à lamentação. Acabou, até as pedras choram a sua falta, Até as musas dançam sobre seu cadáver, sua rigidez... Deixe que o mundo adormeça o onírico, o poético de ti. Para o teu caixão levarei dúzias de rosas dançantes, Plúmbeas esvoaçantes, de raízes venenosas, corrosivas, Esforços melindrosos de elfas shakespeareanas. Acabou, eu sinto que te tramei no interior da minha mente. Forjei segredos abstratos de mundos imaginários, Busquei em ti filosofias infundadas, parti o mundo em dois, E planejei a minha fuga na alvorada. Sadie Frost oder W.O.

domingo, 15 de março de 2009

Lilith without Samael


Ei, Você está pronto?

Eu sou a antítese de uma época,

O desprezo dos elementos crítico-formais,

Fulguro na própria dimensão da incompletude,

No recesso inacabado do tempo,

Vôo cego na aurora da manhã

Ei, você está pronto?

Eu sou o puro instinto dos máres ainda não navegados

O retorno cíclico das tempestades de verão,

A chama ardente do corisco, apenas metal...

Na crueldade da instabilidade do acaso que é destino,

De costas para a imagem do mundo.

sábado, 14 de março de 2009

Poesia Draconiana




Sonhei com você esta noite. Acho que você poderia ser meu fator determinante...
Mas quando acordo gosto de ver as pessoas dormirem, até chego a fantasiar com isto.
Eu poderia passar um milhão de anos vendo-as dormir, sentir a profundidade alheia,
Mas eu preciso sempre justificar meus desejos não é? Por isso subtraio-os, é mais fácil.
É uma industria fria esta de subtração, cálculo e numerização. Tudo está quantificado
No solo deserto das florestas devastadas. Nos círculos harmoniosos petrificados.
Talvez uma cerimônia de purificação resista as fissuras do tempo e restaure as estações.
Sinto falta do outono, nunca pude ao certo toca-lo, mas gostava do que dele emanava.
O outono é poético, artístico, toca o solo viscoso, compreende o nada, sem ressentimentos...
Você parece não entender o que digo, mas é natural de sua época, a falta de entendimento,
Talvez por esta razão não me preocupo e percorro as sephiroth sem autorização.
No meu mundo devastado o círculo se fechou só resta sombra e deflagração infernal.

L.N. pseudônimo de invocação das auroras negras. Um outro eu indissociado.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Ynis Witrin


Ynis Witrin

Nos arredores da Cornualha, o povo antigo acreditava na existência de uma pequena ilha chamada Ynis Witrin: A Ilha de Vidro. A este lugar creditavam lendas misteriosas sobre um povo encantado, dotado de sabedoria e poderes mágicos. Diziam que este povo era capaz de ver o futuro e mudar o seu próprio passado. Por serem dotados de capacidade tão peculiar e perigosa mantinham-se resguardados para o seu próprio bem do resto da humanidade. A ilha mantinha-se resolutamente coberta por uma espessa camada de vidro que encobria seus mistérios, bem como os seus moradores. Do outro lado da ilha nada se via, os seus moradores, no entanto, de dentro de sua bolha olhavam atônitos para o outro lado da ilha e guardavam para sí suas opiniões sobre os seres humanos que ali viam circular. Acompanhavam com bastante apreço as emoções que eles emanavam, pensavam como poderiam suportar sentir o peso de tantas dores, a vida daqueles parecia um fardo terrível, sentir medo, amor, dor, tudo ao mesmo tempo, enquanto eles a muito deixaram de sentir tal peso das emoções. Foi o preço pago pela capacidade de poder alterar o tempo, mesmo sabendo que isto seria algo a se fazer em casos extremos e que na ilha comumente o que imperava era o silêncio da falta de emoções para que os seus julgamentos não entrassem em conflito com os ideais da ilha. Imaginando o caos que seria cada dor amputada ser revertida através da partícula espaço-tempo por uma emoção inflamada. Assim era a vida deste povo, nunca morrer e nunca viver em emoção pura, sempre no silêncio velado do vidro que os circundava. O fato é que quem ao certo tinha decidido por este resultado, se havia sido uma única pessoa, várias ou a comunidade, não se sabia mais. Havia muito sido esquecido inclusive este detalhe. Os seres continuavam a viver em uma aparente harmonia de monotonia e desapego. Poderiam as folhas cair no outono, o gelo cobrirem-na no inverno, o sol secar as raízes do solo ou formar flores perfumadas na primavera que nada parecia tocar o coração daqueles seres. Apenas o severo silêncio do vidro reinava naquelas paragens.

Vaughan parecia jovem mais não sabia ao certo a quanto tempo estava lá, quando as alterações naquela ilha aconteceram estava naquele exato momento da juventude onde as emoções são mais exaltadas, e desde então manteve-se com aquele semblante, vendo as estações acontecerem a sua volta e performaticamente alterar as suas emoções que não condiziam com o peso dos acontecimentos. Elohim seu pai, sempre o alertava para as conseqüências danosas da força do pensamento exaltado, contava-lhe a sua participação nas guerras, sobre os povos que conheceu e que tentaram aportar na ilha, as marcas e impressões deixadas. Com seus machados e imperativos de guerra, contava sobre os povos do norte que pintavam o corpo nas batalhas e como se ocultavam em meio às florestas. Sobre os Tuatha de Danam e suas feiticeiras malignas a aterrorizar os guerreiros com chuvas de sangue e cânticos fúnebres que eram réquiens anunciando a morte dos povos vencidos em batalha. Não era em tom de bravura que Elohim citava seus versos, era a voz de um guerreiro a minguar nas sombras perenes do tempo, um tom sóbrio, melancólico e tenaz, das desventuras de um homem que aprendeu a carregar o fardo do tempo. Não havia rancores nem dores, só o que o tempo é mesmo, o passar incessante que se desdobra como perfaz o anel do círculo. Vaughan ouvia sempre com atenção as suas histórias, mas sempre repetia a mesma frase:- pai, eu sinto falta do barulho do mar. Ao menos era a maneira como ele conseguia descrever a dor cortante que incomodava seu estômago. Com estas palavras Vaughan conseguia silenciar seu pai que em seu semblante frio baixava os olhos e partia com seu cajado para o interior da ilha.

Vaughan confessava a si mesmo que a frase utilizada era ambígua, tinha o intuito de expor seus anseios na medida em que fazia o pai calar-se, pois já estava cansado de ouvir coisas que não teve oportunidade de viver, parecia-lhe injusto em uma ilha capaz de mudar o passado e ver o futuro nada ter a fazer, o cotidiano era sempre o mesmo. E clamar por justiça ou qualquer outro sentimento naquele contexto era inútil, a vida parecia rodar para aqueles que estavam de fora da ilha, e naquele momento Vaughan chegou a uma conclusão, depois de infindas vezes praticar algo que naquela ilha havia sido esquecida; pensar sobre sí e o mundo lá fora. A sua conclusão foi dita em voz alta ao olhar para o silêncio do mar encoberto no vidro. – eu sou excluído, não uma exclusão qualquer em um momento particular onde me privo de fazer algo, eu sou privado daquilo que me cerca em totalidade, que me faz ser o que sou, eu sou excluído, privado da soberania do reino que habita em mim. Da infindável multiplicidade de possibilidades do que posso vir a ser, nada me resta sem ser o que sou e nada sou se nem mesmo posso vir a ser. O que é um homem se não é dado a ele a capacidade de assumir-se como tal, de esgotar o seu pensamento ao se lançar no mundo sem fronteiras e sentir em plenitude cada momento como se fosse único? Um homem precisa de uma única vida e não de uma eternidade. Precisa de espaços abertos e não de fronteiras fechadas. Respirar o ar cortante dos montes e não as arestas das rochas. Ao sentir tamanha força em seu espírito, resolveu contar a seu pai as boas novas que ali chegavam, e de maneira infantil disse a seu pai como achava que aquilo era um sinal dos Deuses e que em seus sonhos escutava as risadas e o choro dos homens lá fora. Achava-se inclusive de uma grandeza espetacular por ter tido esta visão. Mas seu pai, um homem cansado de lutar pela humanidade, escutou atentamente Vaughan e disse-lhe em um tom sério e desanimado:- não existe nada no mundo que já não tenha acontecido, nenhum fato novo irá alterar os seus acontecimentos, a vida seguirá continuamente no círculo do anel. Não se ponha em superioridade em relação aos demais, pensar parece grandioso, mas é como um labirinto, cada curva que se entra pode ser também um caminho sem saída. Mas, a despeito do que digo e sinto sobre você, não me cabe julga-lo, em minhas visões eu sempre soube de teus anseios, apenas burlei o tempo o máximo que pude, para retardar os acontecimentos, mas algo sopra em meus ouvidos, sobre a inevitabilidade do jogo da vida, mesmo nós, homens da ilha de vidro, podemos quebrar nossa bolha. Emocionalmente você já quebrou a sua, mas esteja preparado para a angústia de nunca se sentir de lugar algum, de nunca mais encontrar repouso em terra de ninguém e de jamais saber ao certo qual é o seu lugar. Esta é a conseqüência mais terrível amputada ao homem, até hoje, conheci poucos homens capazes de viver este fardo tão pesado. Mas outrora, diziam que os Deuses jamais dão um fardo que um homem não possa suportar, cada peso é inerente à força psíquica de cada um em seus anseios e vicissitudes. Eu poderia meu filho, passar dias inteiros falando deste deserto que se abre como teu caminho, talvez, eu poderia até te preparar para isto. Entretanto, não acredito que um homem ao cruzar esta linha deseja ouvir algum outro ensinamento. Ao alcançar este ponto, olhar para trás acontece apenas naqueles que não se esvaziaram totalmente, e ficam presos em suas correntes, mas para aqueles que se esvaziaram, partir é tudo que lhes resta. Acredito meu filho, que este é o seu caso. Sonhei com tua mãe outro dia, queria que soubestes disto antes de partir, ela é a mãe disto tudo, nunca concordou com minha escolha, morreu em terra, mas pediu que eu deixaste esta mensagem: - o mundo encontra-se na travessia, diga a ele que nunca esqueça disso. Naquele tempo ela me disse isso, mas infelizmente, os homens ainda não possuem a capacidade de intuição e sabedoria das mulheres, ao afastar-me dela, me perdi e tornei-me apenas uma carcaça do que fui um dia. Vaughan interrogou o seu pai do que ele havia dito sobre o deserto.- pai, você diz que onde estou é um deserto, mas só agora me lembro do barulho do mar, e sinto que o que tenho a cruzar é o mar e sentir seus insondáveis mistérios e chorou ao ouvir as palavras do pai e começou a lembrar de sua mãe, sua lágrima tão profundamente jorrou de seus olhos que reluziu como um corisco em seu pai. A sua dor foi compartilhada, seu pai pôde enfim retomar de algum ponto o homem que ele era, e isto fez com que ele subitamente sentisse em seu corpo que o peso da existência enfim havia chegado e com a voz trêmula e ofegante, deitou-se em seus aposentos e disse ao seu filho: Vaughan preciso ser breve neste momento, pois enfim, sinto que apesar do calor de emoções que fui tomado, a frieza e alheamento de emoções em breve voltará a reinar no meu corpo, e nada mais poderá lhe ser dito. Existe no interior da ilha um caminho atrás da cachoeira de Dólmen que leva a uma pequena saída da ilha, é uma aresta que o vidro não tocou, vá até lá e leve o meu antigo barco de guerra, parta o quanto antes, cruze os mistérios insondáveis do mar, seja tudo aquilo que você deseja ser, nem mais nem menos, só aquilo que você é mesmo.

Vaughan beijou as mãos de seu pai em agradecimento e partiu sem pensar em mais nada, em sua mente a clareza de idéias lhe dizia com mais clamor que não restava mais coisa alguma ali, ele abraçou o crepúsculo até chegar à cachoeira de Dólmen, enveredou por entre as suas rochas empurrando o barco de seu pai que ali se encontrava preso às águas, entendeu que seu pai já prevendo a sua jornada, deixou o barco ali e que era como uma herança do homem que ele tinha sido e o desejo de que seus ancestrais trilhassem um pouco de seu caminho. E ele cruzou a ilha, seguiu noite adentro sem rancores ou receios, só com as estrelas. Mas à medida que o tempo da longa noite passava em sua alma, sentia todos os desejos e emoções pertinentes a um homem, foi como um choque, era dor, amor, medo, pavor em certos momentos, menos aquela dor cortante no estômago que ele havia identificado com a tal angústia que o pai havia falado. O turbilhão de emoções cortantes o nauseava constantemente, eram freqüentes os vômitos e o suor em sua testa. Mas ele ria, ria loucamente, como uma criança, ora ira, ora chorava. O barulho severo do mar, do vento e da noite fascinava sua alma.

Mas enfim, Vaughan ouviu um barulho de mar diferente, mais forte, imponente e hostil. E levantou o archote que carregava no interior do barco, e ao acender a luz, reconheceu-se na firmeza da terra, viu seu passado em cores, sentiu o extremo gosto do mundo. E ele remou com tamanha intensidade e força até não agüentar mais e chegar em terra firme. Deitou-se alegremente naquela terra, gritou e bradou efusivamente a sua chegada, deixando a maré ir e vir sobre o seu corpo até não poder mais. Até o momento que vislumbrou a aurora da manha despontar no céu e parou para ver seu corpo, ele havia envelhecido, suas mãos eram rígidas e ressecadas, sentiu que a respiração lhe faltava e que seu rosto havia murchado. O tempo do outro lado da ilha havia passado, e a longa noite não o poupou desta sentença. Vida e morte se cruzavam em Vaughan a medida em que ele observava o quanto o mundo havia mudado desde o tempo em que tinha partido. O mundo cheirava mal, não era um odor qualquer, era um mundo enfraquecido e em dor, a terra também havia envelhecido na longa noite junto com Vaughan e os homens que ali passavam pareciam não ver Vaughan estendido na beira da praia, eles estavam iguais aos homens da ilha de vidro, e ele sentiu isto. Mas resignado admirou a aurora e não deixou de pensar em quem era ou o que queria ser, ainda assim, era um homem, e isto já lhe bastava. Ele deitou novamente, deu seu último suspiro e morreu deitado sobre a luz e o mar.