domingo, 31 de agosto de 2008

As Flores Doentias




A figura de um poeta é retratada nos traços de sua poesia, que desvela a sua alma através da linguagem, deixando ao mundo a reflexão de uma alma, que viveu em constante investigação acerca da compreensão do homem. Dessa forma foi o homem Baudelaire, como queiram dizer:
“O grande arquétipo do poeta à época moderna e de todos os tempos”. P.E.
É o interrogador da alma, da psique humana, que mergulhando fundo nos abismos infinitos da mente, consegue transportar para sua poesia uma crítica visão sobre o homem no mundo, denotando um pessimismo radical, de onde emergirá, porém, uma fonte de energia e fecundidade, do que há de verdadeiramente humano.
A sua poesia revela um grande senso plástico e visual, onde faz quase sempre uma relação dos objetos e formas materiais com os aspectos do comportamento e da mente humana.Descobrir a arte nos anseios e vícios humanos revolucionou toda a literatura posterior.
Não se deve falar em mudança de paradigma, ou quebra de conceitos e sim de um homem que começa a precipitar-se no abismo de sua alma, entorpecido pelo tédio fatigante do homem parisiense que se ilude com as volúpias e diversões do seu século.
O eterno conflito dilemático sobre a carne e o espírito, entre ascensão e queda, perpassam a obra baudeleriana, refletindo ao que veio a ser chamado de “antevisão estética”. Essa antevisão estética é marcada pela influência da literatura gótica no romantismo francês, descrito como o “satanismo baudeleriano”.
“Sempre me obcecou a impossibilidade de compreender certas ações ou pensamentos súbitos do homem sem cogitar da hipótese da intervenção de uma força perversa e que é alheia”. C.B.
Dessa relação conflituosa, o satanismo baudeleriano aparece como a identificação com natureza própria do homem.
Ó tu, o Anjo mais belo e também o mais culto,
Deus que a sorte traiu e privou do seu culto,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Ó Príncipe do exílio a quem alguém fez mal,
E que, vencido, sempre te ergues mais brutal,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que vês tudo, ó rei das coisas subterrâneas,
Charlatão familiar das humanas insânias,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que, mesmo ao leproso, ao paria infame, ao réu
Ensinas pelo amor às delícias do Céu,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que da morte, tua velha e forte amante,
Engendraste a Esperança, - a louca fascinante!
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que dás ao proscrito esse alto e calmo olhar
Que faz ao pé da forca o povo desvairar,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que sabes onde é que em terras invejosas
O Deus ciumento esconde as pedras preciosas.
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu cuja larga mão oculta os precipícios,
Ao sonâmbulo a errar na orla dos edifícios,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que, magicamente, abrandas como mel
Os velhos ossos do ébrio moído num tropel,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu, que ao homem que é fraco e sofre deste o alvitre
De poder misturar ao enxofre o salitre,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que pões tua marca, ó cúmplice sutil,
Sobre a fronte do Creso implacável e vil,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Tu que, abrindo a alma e o olhar das raparigas a ambos
Dás o culto da chaga e o amor pelos molambos,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!

Do exilado bordão, lanterna do inventor,
Confessor do enforcado e do conspirador,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria !

Pai adotivo que és dos que, furioso, o Mestre
O deus Padre, expulsou do paraíso terrestre
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria !
ORAÇÃO
Glória e louvor a ti, Satã, nas amplidões
Do céu, em que reinaste, e nas escuridões
Do inferno, em que, vencido, sonhas com prudência!
Deixa que eu, junto a ti sob a Árvore da Ciência,
Repouse, na hora em que, sobre a fronte, hás de ver
Seus ramos como um Templo novo se estender!

O mergulho da poesia de Baudelaire, no íntimo do homem, revela a sua curiosidade e o questionamento das forças ignotas que desterra o homem de sua aparente normalidade, identificado-o com uma força demoníaca desconhecida, mas que ao mesmo tempo liberta o homem do tédio que encurrala, não permitindo a sua elevação seja espiritual ou intelectual. E incorporando a linguagem romântica os aspectos dessa natureza grotesca caracterizada pelos vícios humanos.
Esse universo poético descreve uma relação paradoxal com a natureza, que em primeiro momento é influenciado pelo romantismo, onde anseia pela libertação do homem, no qual se encontra preso nas zonas urbanas, a alusão ao tédio, talvez uma sensação causada nele, o “tédio de Paris”. Um tédio acompanhado de um pessimismo radical que se instaura no homem é a chave para a sua libertação como pensador.
“A energia de viver brota do devaneio e do tédio”. C.B.
A perda de todas as ilusões, causadas pelo choque com a realidade, traz a sensação de angústia e são características desse tédio, que aparece como destino do homem ocidental.

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