quarta-feira, 6 de agosto de 2008

O Espírito do Niilismo



“O espírito do niilismo precede a atividade do niilismo”.

O espírito da negação parece ser o espírito de nossa época, negamos tudo que somos para sermos um pouco mais que os demais. Os demais a que me refiro é aos 99% da parcela da humanidade que vivem em conformidade com o seu tempo. São como galhos levados pela correnteza do rio, mas nós, 1% (este percentual ainda parece-me muito), vivemos a margem, somos as duras raízes que deitam na terra com infindáveis memórias e destinações fatais, carregamos o peso da arrogância, do orgulho que se transmuta nas pesadas gotas anunciadas por Zaratustra. Não nos contentamos em sermos levados pela correnteza do rio, queremos o mar e os seus insondáveis mistérios, talvez um retorno às origens do mundo. Navegar máres cada vez mais distantes, mergulhar sem vontade de retorno. Mas os que são levados pela correnteza, ainda tem tempo de buscar a margem ou tentar um caminho ainda mais penoso, retornar ao mar, porque um dia pertencemos a ele, mas infelizmente, grande parte se desarraigou, os que tiveram força suficiente deitaram raízes nas margens, para não serem levados pela correnteza, e para isto é preciso ter muita força.

A compreensão do que digo parece fácil, a experiência de viver sobre a dureza do chão frio do niilismo é que é difícil. Atravessar a longa noite sem archotes ou velas, ter a dureza necessária de espírito, renegar aquilo que aparentemente somos, para sendo menos, sermos mais. É uma filosofia do nada nihil, não é doutrina, nem mesmo corrente de pensamento, além disso, é preciso não confundir a profusão das forças que operam o niilismo, pois o espírito do niilismo precede todas as experiências do cotidiano, e neste ponto não devemos confundi-lo. Algumas experiências do horror podem acontecer no meio do caminho, por isto devemos estar preparados. Heidegger por exemplo “olhou para o abismo da filosofia e viu as bestas do nazismo—se tornou de fato um nazista” (Adler). São necessárias muitas ultrapassagens, muitas escalas e esferas precisam ser passadas, inclusive a que concebe um intenso horror.

Muitas perguntas se fazem sobre o niilismo, uma já respondida, não é corrente de pensamento, foi de inicio, como queriam os russos, achavam que iam revolucionar o mundo através do niilismo, ao negarem o mundo, ele ia se transformar. Pura convicção de literatos políticos obstinados. O mundo aparentemente não se transforma, só se reconfigura, passou da metafísica humanizante como processo de domesticação do homem à técnica desumanizante. Nada neste meio tempo se transforma apenas se torna utilitarista, determinada em aplacar as nossas bestialidades. Mas nossos instintos são mais ferozes e perpassam qualquer tentativa de coerção.

Somos niilistas e somos doentes sim, Nietzsche faz um diagnóstico desta época do apogeu dos doentes, dos niilistas, porque em um mundo que falta a significação ficamos doentes, estávamos mesmo condicionados a ter significado no mundo, como animais, éramos destituídos disto, a bestialidade independia de significados, mas, domesticados precisamos dar razão a algo, o racionalismo socrático e sua infantilidade.

“unheimlichste aller Gäiste”, o mais estranho dos hóspedes—o niilismo, esta raiz funesta que impera no interior dos homens, salta aos olhos, como um vulcão adormecido, deixando o mundo em chamas, tornando-o obsoleto. Zaratustra dizia: O convalescente, na interpretação do alemão significa aquele sem lar, assim são os niilistas, raízes funestas sem lar que atravessam a longa noite. São como feras enjauladas, que sem temor cruzam a noite em agonia, a gritar no anseio pelo distante, pela liberdade. Monstros de forma bestial, liberados pela aurora infernal. Estamos subjugados e tolhidos pelas tentativas burlescas de domesticação grotesca de nós mesmos, somos o fundo sem fundo, sem originalidade, a tentativa inútil de uma glória nadificante, mais o niilismo e seu estranhamento desentranha-se cada vez mais.

Williane Oliveira.

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